Igreja de Santa Maria
A igreja matriz de Penha Garcia que se ergue na sombra do que resta do seu castelo, é uma estrutura que data de 1950, acabando por se erguer no local onde situava o primitivo templo. O edifício de contornos simples e despojado de ornamentação, é constituído por uma só nave e capela-mor, todos elementos são nitidamente do século XX.
A construção de meados do século XX ocorre quando o primitivo edifício já se encontrava bastante deteriorado e desse período praticamente nada restou, com exceção da escultura quatrocentista da Virgem do Leite. Esta escultura é muito possivelmente obra da autoria do mestre de Coimbra, João Afonso, foi realizada em 1469, conforme a inscrição que se encontra na base da escultura de vulto.
De calcário policromado, de boas proporções e repleta de gestualidade, a representação da Virgem do Leite, entalhada de manto na cabeça, coroada e com o menino ao colo, revela a imagem de Nossa Senhora de rosto bem marcado, de nariz finamente trabalhado, onde sobressai a suavidade do talhe que se encontra nos lábios ou pela forma como o olhar estreito é colocado, conferindo uma brandura a esta peça. O manto, policromado, denota uma vivacidade conferida pelos drapeados que são tão característicos do século XV e sobretudo são similares a outras peças atribuídas a esta oficina.
Na base da escultura encontra-se, em caracteres gótico, uma inscrição com a seguinte informação: + frey: aluº : Sãxpanno: A mãdou : fazer: ann: De: Mil: cccclxix. Segundo Joaquim Oliveira Caetano, a leitura é “Frei Álvaro Sacristão a mandou fazer no ano de mil quatrocentos e sessenta e nove”, ou seja, foi uma encomenda feita a mestre João Afonso, em 1469. Possivelmente, conforme propõe historiografia mais recente que se ocupou desta peça, Frei Álvaro poderá ser sacristão que se encontra associado ao convento de Cristo, donde dependia a igreja de Penha Garcia
Aliás, temos um caso concreto a este respeito. Encontra-se documentado, na igreja de Penha Garcia, em 1475, o sacristão do convento de Tomar, frei Pedro Sacristão, como prior de Pena Garcia. Possivelmente, a peça em causa pode estar relacionada também com esta realidade tomarense.
Data: séc. XX
Autor: Escultor: Mestre João Afonso (1469)
NOTA HISTÓRICA
Em 1220, D. Afonso II, lançou uma ofensiva sobre o território fronteiriço, acabando por conquistar o reduto de Penha Garcia às hostes muçulmanas. De modo a preservar o território e o castelo, erguido sobre uma fraga, foi doado à milícia de Santiago, tendo estes a responsabilidade de restabelecerem a estrutura e promoverem o povoamento. Terá sido por esse motivo que, em 1256, D. Afonso III concede foral a esta localidade, mantendo o povoado nas mãos da milícia de Santiago.
Sem cumprirem as determinações previamente estabelecidas e devido ao valor estratégico que esta geografia tinha, sobretudo face ao Erges, D. Dinis acaba, em 1303, por doar este espaço, conjuntamente com o seu castelo, à Ordem do Templo e posteriormente, com extinção dos templários, Penha Garcia acaba por transitar para as mãos da Ordem de Cristo (1319).
Sendo Penha Garcia uma terra de fronteira, sempre se deparou com um problema populacional. É um facto endémico que se intensifica em momentos de crise, tal como aconteceu no reinado de D. Fernando. O Formoso vê-se obrigado a desenvolver políticas que implicassem a fixação populacional, para tal cria coutos e terras de homiziados. Esta política será prosseguida por outros reinados e Penha Garcia beneficia desse facto, sobretudo quando D. João I, a pedido do Infante D. Henrique, institui, em 1431, um couto de homiziados nestas terras e que durará até ao período de D. Maria.
No ponto de vista espiritual, segundo a historiografia, é D. Dinis mandou erguer a igreja com dedicação a Santa Maria, não seria mais que uma pequena estrutura erguida na sombra das muralhas deste castelo e, em 1321, a igreja de Santa Maria de Penha Garcia, surge referida no Catálogo de todas as igrejas (…), com um montante de 40 libras.
Até ao século XVI desconhecemos os contornos artísticos deste espaço, a única exceção é a escultura da Virgem do Leite, cuja a produção tem sido atribuída ao mestre João Afonso, sendo datada de 1469.
No início de quinhentos, mais propriamente em 1505, a visitação, que é realizada por frei Diogo do Rego com a presença do comendador, frei João da Rosa. Pelo auto é percetível que o edifício em causa não é de grandes dimensões. Construída com pedra e barro cafeladas, a fachada era ornamentada por um portal de pedra, adossada a fachada ergue-se um campanário darco çarrado dalvenaria onde se dispunha um pequeno sino.
O interior, onde se dispunha lateral uma pia batismal, tinha o corpo revestido de pedra e barro, era madeirada e a sua cobertura era somente através de telha vã. Detinha dois altares laterais, um dedica a São Sebastião e São Brás, onde se dispunham imagens de vulto, segundo o visitador eram velhas. O outro altar tinha dedicação a Santa Ana e São Lourenço, também as imagens deste altar foram apreciadas conforma as anteriores.
O arco triunfal da igreja, era todo de tijolo (e não barro) e pintado. Sobre o arco da existia uma pintura sobre tábua com a representação de Cristo na Cruz, a Virgem e São João, segundo o visitador eram boas pinturas e terão sido novamente feitas, quer dizer que foram repintadas.
Já capela-mor, era revestida e pedra e barro, era em parte ladrilhada e outra somente soalhada por intermédio de tábua. Cobertura era de madeira de boas asnas com pinturas em dois painéis. O altar, constituído em pedra, segundo frei Diogo do Rego, de boa qualidade, onde se encontrava a imagem de Nossa Senhora, sendo o visitador, era uma peça nova e concebida em pedra e grande. Certamente que esta Nossa Senhora que refere a visitação é a imagem que hoje ainda se encontra na igreja e que se identifica com a Virgem do Leite.
É registado ainda aponta a existência de ornamentos, onde se destaca vestimentas, paramentaria, panos de seda e frontais pintados. É ainda apontado a existência de um missal romano, caderno de constituições do bispo e um caderno em papel de booas letras de pena com hos officios do baptismo unçõ e feriados pelle coiro. Existe em 1505, um cálice de prata e uma boçeta de marfim grande e obrada pera hosteas (…).
Porém, o registo esta visita não termina sem que sejam dadas recomendações, quer do espiritual quer temporal. Porém, as recomendações não recaem exclusivamente sobre comendador (que habitualmente tem responsabilidade sobre a capela-mor), mas também sobre o prior desta igreja, sendo obrigado a correger ha dicta oussia e poer hi todollos hormamtos e ho concelho he obrigado correger ha egreia e hornamemtar hos altares que nella som e asi a todallas coussas que som de fora da dita oussia.
Cabe ao dicto comendador como ao prior fazer intervenção na ousia, como refazer o telhado com suas braceiras de cal e abrir uma fresta do lado Sul da mesma capela de forma a iluminar o altar. Cabe ainda aos mesmos responsáveis, retirar a madeira existente no piso da capela-mor e construir, junto do altar, um tavoleiro de ladrilho.
Também aos fregueses, o visitador encarrega que ponham a trás do crucifixo uma cortina de linho com o seo çeo e alparavazes franjados. Devem limpar a cruz e diante deste colocar uma lâmpada de vidro.
Todas obras, as que estão a cargo do prior e encomendador, assim como as que são da responsabilidade dos fregueses, têm de estar finalizadas até a mesmo de fevereiro de 1506. Como caução, o comendador deposita nas mãos de Fernão Gil um cálice de prata no valor de mil quatrocentos reais e os fregueses caso não cumpram o estipulado têm como pena o pagamento de iij reais pera has obras do castello da dita villa.
Por certo o estipulado foi executado por ambas as partes e desse modo a igreja já podia acomodar convenientemente os seus fregueses, que agora ascendia a trinta, reflexo do crescimento da localidade.
Terá sido a posição geográfica e o desenvolvimento de Penha Garcia, que levou em, 1510, D. Manuel I, a passar um novo Foral, onde é confirmada e ampliada a sua jurisdição. A importância que este monarca dá à fronteira, fica bem patente pelo registo que é realizado por Duarte de Armas (entre 1509 e 1510), no o Livro das fortalezas situadas no extremo de Portugal e Castela, onde concretiza uma radiografia, sincrónica, do sistema defensivo fronteiriço português.
Para além do registo em planta das fortalezas, o escudeiro do rei também debuxa vistas panorâmicas das povoações. No caso de Penha Garcia, vemos com o casario se desenvolve à sombra de uma fortaleza que se ergue sobre uma fraga. Nessa panoramicas é possível observar a igreja de Penha Garcia, constituída por um corpo com o seu campanário e capela-mor, uma arquitetura representada sem elementos ornamentais.
Em 1536, é realizada outra visitação a este espaço de Penha Garcia, deste feita é frei António de Lisboa, religioso da Ordem de São Jerónimo e reformador da Ordem de Cristo, que realiza a descrição deste espaço. Embora bastante sumária, o registo indica que adossada a porta principal, do lado do Evangelho, ergue-se um campanário com um bom sino. Na nave, junto do cruzeiro erguem-se alares de pedra e barro, do lado da Epístola, dedicado a Santo António, São Brás e São Sebastião. No lado oposto, a dedicação é a São Bartolomeu e Santa Catarina, sendo estas representações pintadas na parede.
Segundo relata o reformador a da Ordem de Cristo, a capela-mor é de pequenas dimensões, onde existe um altar forrado de madeira pintado e uma muito boa imagem de pedra nova de nossa Senhora muito bem feita (…).
Como é apanágio, a visitação acaba por impor a realização de obras, neste caso as intervenções são ao nível da capela-mor. Refere a nota que é necessário refazer de novo a capela e o seu cruzeiro de modo que seja maior que a atual, assim como altar deve ser forrado de azulejos o de madeira pintada
Em 1563-1564, no título das comendas é referido que Penha Garcia tem uma comenda que dá pelo título dos oytauos E dereitos Reaes, sendo neste período comendador, Jorge de Lima.
Depois abre-se um hiato temporal que não detemos qualquer informação sobre este espaço. No século XVIII, por intermédio da Memória Paroquial, ficamos a saber que a igreja tinha três altares, o maior tem a Senhora da Conceiçam o santo António, O colateral do lado dierito tem a imagem da Senhora do Rosario ao do lado esquerdo as imagenm do Christo Crusificado.
Por certo a ruína apoderou-se deste espaço, facto que levou a igreja a ser demolida, em 1950, no seu lugar foi edificada um novo edifício, restando do seu passado somente a imagem da Virgem do Leite
Referências Bibliográficas:
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http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=17925
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ANTT, Caixa Forte, Ms. 159
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BN, COD. 413 -Título das comendas dos Mestrados das ordens de Christo e d ́auis que ha neste b[is]pado da guarda com aualiaçam das Remdas de cada hu[m]a delas dos Annos de 1563 e de 1564